Aquiles remete-nos à mitologia grega e inevitavelmente à obra de Homero. Segundo “A Ilíada”, Aquiles, o semideus, quando nasceu foi mergulhado nas águas do rio Estige para que se tornasse imortal. Ao que parece o seu calcanhar não foi submerso e por isso tornou-se o seu ponto fraco. Conta-nos Homero que Aquiles faleceu na Guerra de Tróia por ter sido atingido por uma flecha. Ora adivinhe onde…
O tendão de Aquiles é o tendão maior e mais forte do corpo humano, capaz de suportar até dez vezes mais o peso corporal. É o responsável pela união de três porções musculares – os gastrocnémios, socialmente mais conhecidos por gémeos, e o músculo solear – e também pela sua ligação ao calcanhar. O tendão é maioritariamente composto por resistentes fibras de colagénio.
Desta ligação resulta a possibilidade de conseguirmos andar, nomeadamente de conseguirmos contrariar a força da gravidade e levantar o calcanhar quando andamos, o movimento em ‘bico dos pés’.
No hipismo é solicitado que a ponta do pé esteja para cima e o calcanhar para baixo, certo? Justamente a posição de alongamento do tendão de Aquiles. Isto significa que o tendão está em permanente tensão além de haver alterações de intensidade e velocidade dessa mesma tensão sobre os tecidos ao longo da prática desportiva.
É importante conhecer esta estrutura para que possamos compreender a importância da prevenção da lesão do tendão de Aquiles, que inicialmente se pode manifestar de forma discreta, mas escalar para uma lesão de recuperação demorada e bastante limitadora.
A tendinopatia do tendão de Aquiles é frequente em pessoas ativas e mais frequente ainda em atletas profissionais. Os estudos indicam que é mais comum acontecer nos homens do que nas mulheres, e a maior incidência verifica-se em homens entre os 30 e 50 anos de idade.
A prevalência desta disfunção do tendão é maior em desportos que exijam variações de velocidade e impacto, como é o caso do hipismo. Estima-se que cerca de 9% dos atletas profissionais são confrontados com este diagnóstico que deverá ser conseguido o mais cedo possível. Por isso, vou alertar para os sinais e sintomas associados. Apesar da etiologia exata da lesão ainda ser desconhecida, sabe-se que inicialmente se manifesta com dor discreta ou desconforto pela manhã, ao acordar, e poderá sentir-se alguma rigidez articular. Na sua evolução, a dor tende a aumentar no início da atividade física e melhora com o decorrer da mesma, podendo voltar a evidenciar-se já no fim da prestação desportiva. Num estadio mais avançado a dor torna-se constante e permanece mesmo que em repouso e já com alterações no que diz respeito à força muscular e/ ou performance.
A dor é considerada crónica a partir das 6 semanas da sua existência e nessa fase a disfunção do tendão de Aquiles é extremamente limitadora e afeta significativa e negativamente a performance do atleta.
O diagnóstico é realizado pelo médico através de avaliação física e contextualização dos sintomas percecionados pelo paciente. O médico poderá considerar necessário recorrer a exames complementares de diagnóstico para despiste, nomeadamente ecografia ou ressonância magnética.
O seguimento em fisioterapia visa restabelecer em pleno a amplitude, força e função anatómica do tendão. É crucial respeitar os timings e etapas da recuperação: o controlo dos sintomas e diminuição da carga, a recuperação dos tecidos, a reconstrução – onde são introduzidos exercícios mais específicos e aumento de carga, e a retoma da atividade desportiva de forma progressiva na intensidade, carga e duração.
Este processo de remodelação do tendão e restauração da função, até estar completamente concluído e ser seguro retomar a prática desportiva sem limitações, poderá levar cerca de um ano. Demorado, concorda?
Por esse motivo alerto para uma identificação precoce da possível lesão por parte do atleta. Assim torna-se possível diminuir o tempo total de recuperação e, não menos importante, o impacto da afeção na sua performance.
Os mecanismos de lesão associados à tendinopatia do tendão de Aquiles assentam sobretudo no sobreuso da estrutura, nomeadamente a carga excessiva, a recuperação insuficiente entre treinos, alterações ou aumento da intensidade dos treinos e/ou duração.
Aproveito para esclarecer que tendinopatia não é o mesmo que tendinite. A tendinopatia abrange um leque de possíveis lesões que afetam a estrutura do tendão, desde um possível estiramento a vários graus de rutura, por exemplo. Tendinite implica a existência de um processo inflamatório, o que se poderá verificar numa fase aguda. Porém a tendinite não é a lesão, mas sim uma consequência da mesma.
A determinada fase da recuperação o paciente já não irá experienciar a sensação de dor e/ou limitação funcional, o que não significa recuperação total da estrutura dos tecidos lesionados. A recuperação total da sintomatologia não é sinónimo de recuperação total da função. O paciente, incorrendo neste erro crasso, está a aumentar a possibilidade de sofrer uma reincidência da lesão até 44%. Compensará?
Faço o lembrete de que habitualmente a lesão, antes de ser valorizada pelo paciente é precedida de semanas, ou até meses, de alguma dor e rigidez articular matinal. Estes sinais são frequentemente ignorados. Mesmo antes da evolução dos sintomas também é sentido um decréscimo da prestação desportiva do atleta embora possa não ser identificada a causa exata nessa fase.
A disfunção desencadeada pela tendinopatia do tendão de Aquiles é proporcional ao tempo que a sintomatologia é negligenciada. E quanto mais tardio e insuficiente é o tratamento da lesão, maior a possibilidade de recidiva da tendinopatia.
Aos meus olhos, empoderamento é também ter acesso à informação, para que possamos usufruir da mesma e fazer as nossas escolhas de forma consciente e informada.
Recomendo uma vez mais que se aposte na prevenção e neste caso passa por investir em momentos junto do preparador físico, ou fisioterapeuta, para trabalho de flexibilidade e alongamento de ambos os membros inferiores e executar exercícios específicos de fortalecimento muscular (valorizar os excêntricos!!). Uma boa gestão da intensidade dos treinos com o tempo de descanso também não deve ser menosprezada.
Ser atleta é testar os limites do corpo humano, desencadear os pontos fracos. Ser um atleta fora de série é conhecê-los, antecipá-los e contorná-los, tornando-os pontos neutralizados.